A Internet e a luta de classes


Imagem relacionada
Muitos militantes tradicionais reclamam dos “militantes de Internet”, que seriam militantes de categoria inferior. De fato, para resolver as coisas é necessário gente nas ruas. Contudo, apesar disso, a militância na Internet é disputa pela opinião pública, de forma que é militância, guardadas as devidas proporções, tanto quanto a dos jornalistas das folhas comunistas. E quem foram os principais militantes comunistas se não os jornalistas? Marx, Engels, Lênin, Gramsci, Mao, foram na prática eminentes jornalistas. Che e Fidel fizeram o mesmo com a Rádio que instalaram em Sierra Maestra. É no campo das ideias que se decidem as lutas políticas, porque mesmo os fuzis, em última instância, dependem do convencimento político de seus portadores.

Dito isso, deve-se constatar que a Internet permitiu, ou mesmo gerou, a mais acirrada luta de classes que já se viu! Que as pessoas estejam em suas casas e não nas ruas é só um momento da luta. Elas não sabem que estão militando, muito menos têm consciência de classe. Elas acham que estão somente dando suas opiniões que seriam equilibradas e preferencialmente neutras. O que a maioria das pessoas têm é somente um instinto de classe, ou um sentimento de classe, que elas acreditam ser universal.

A Internet acirrou a luta de classes porque nela as pessoas mostram as suas entranhas! Pessoalmente, nenhum empregado diz na frente de seu patrão o que acha dos patrões, nem os ricos dizem na frente dos pobres o que acham dos pobres. As pessoas conhecem ladrões, mas na frente deles não se fala contra ladrões, não se fala contra pessoas arrogantes diante de pessoas arrogantes etc. Na internet se desabafa tudo. Chamar exploradores de exploradores era coisa que só se fazia em jornais comunistas, parcamente distribuídos, e agora aparece em todas as timelines de quem tiver algum amigo de esquerda. Sim, as pessoas se ofendem. Não é novidade. A novidade é que elas dizem para todo mundo o que antes só diziam para aquelas pessoas que pensavam de forma similar. As pessoas sempre falaram “mal” das outras, destacadamente quando existem pontos de conflito, mas antes era pelas costas.

Antes da Internet as pessoas acreditavam que os opostos não eram tão opostos, e tentavam dialogar. Com a Internet ficou claro que as divergências são tão grandes que as opiniões contrárias dão asco. Não é só uma divergência de opiniões, e é mais ainda que uma divergência conceitual, é também uma divergência de valores! As pessoas não tem mais acordo sobre o que é bom e mal, certo e errado, justo e injusto, bonito e feio. De fato nunca tiveram, mas nada era mais escondido! O explorador ao ir à igreja conseguia passar uma imagem de solidariedade, de ser bom, até de ser honesto, mas agora quando volta da igreja ele exala seus preconceitos de classe na Internet, mesmo sem saber que o faz. Quem votava em corruptos conseguia posar de honesto, mas agora na Internet fica claro quem apoia e depois não condena os corruptos. Antes da Internet era possível falar uma coisa para um público, e outra para outro público e nunca ser pego. Agora o que se diz para um público é filmado e se espalha para todos. Antes uma pessoa podia atacar só um político corrupto, protegendo portanto os outros corruptos com o uso de um boi de piranha, e ninguém que não fosse muito próximo percebia. Quando aconteceu o genocídio da Vale que assassinou mais de 300 trabalhadores em Mariana ficou claro quem queria a punição dos responsáveis, quem queria a impunidade, e quem queria abafar o assunto. No caso venezuelano está claro quem está não só de cada lado, mas até nuances. A Internet está desmascarando as pessoas, e elas são muito feias!

As pessoas viram as entranhas umas das outras, e sobretudo quando têm posições classistas opostas, odiaram o que viram. O lado positivo disso é a aceleração do debate. Todos os assuntos estão chegando a quase todo mundo, e as respostas são rápidas. O custo dessa aceleração é que a tensão naturalmente cresceu, uma vez que acontecem mais conflitos no mesmo tempo, ou dito de outra forma, os mesmo conflitos acontecem com mais lances de lado a lado. Um debate que demoraria um mês para gerar raiva, agora a gera em um dia.

É natural que a Internet pareça a terra da mentira, mas fato é que nenhuma das mentiras que circula na Internet é nova (terra plana, Hitler de esquerda, vacinas que causam autismo etc.). Simplesmente, elas estão aparecendo para todo mundo, enquanto antes se limitavam a fofocas, revistas sensacionalistas etc. Até nisso existe uma vantagem, que é o fato de que essas mentiras vão morrer mais cedo.

Muito pior era o monopólio da grande imprensa, quando os pobres, os trabalhadores, a esquerda só falavam para um punhado de pessoas que conseguia reunir presencialmente. Agora a grande imprensa tenta se reposicionar como censora da Internet, quer ser a juíza do que é fake e do que é fato, mas máquinas de mentir não têm moral para isso. A imprensa profissional deve sobreviver, mas não terá mais o monopólio de antes.


Parte 2

Contudo, a militância na Internet é bastante diferente da militância nas ruas e é importante começar a observar isso.

Do ponto de vista organizacional a Internet pode unificar os trabalhadores como nunca antes foi possível. Contudo, muitas organizações de esquerda ou trabalhistas simplesmente negam a Internet como espaço/instrumento organizativo. Por outro lado, os espaços que existem na Internet, redes sociais, e mails etc., não são formatados para facilitar a organização. Pelo contrário, usando a experiência seus gestores têm tentado impossibilitar o uso para a organização popular, destacadamente depois dos anos 2011-2013. A esquerda tem que começar a criar seus próprios espaços digitais conforme seus próprios interesses.

Do ponto de vista dos próprios debates de ideias, seu formato nas atuais redes sociais está longe de ser o melhor no sentido do crescimento do nível político. As pessoas escrevem mais do que antes, e isso é bom, mas escrevem de forma incompleta, para dizer o mínimo. A maioria dos debates é de surdos, ou seja, cada um diz uma coisa que não tem relação com as outras que foram ditas, como se todos falassem ao mesmo tempo sem se ouvir (que é mais ou menos o que acontece mesmo).

A formação política desapareceu, em um mundo no qual não existem velhos e novos. No mundo real os jovens fingem que toleram algumas coisas que os velhos dizem, e vice-versa. Na internet eles sempre debatem de igual para igual. Cada moleque de 15 anos xinga os velhos de 70 anos como se fossem colegas de escola. Ora, a base lógica para a existência de formação política é a consciência de que existem pessoas mais experientes, que têm o que ensinar aos novatos. Sem formação em um mundo no qual todo mundo virou militante político! Eis o atual estado da luta política na Internet.

Como sempre, as classes dominantes largaram na frente. Foram as primeiras a ter acesso à Internet, dominam servidores, buscadores, oferecem e-mails, mantém centenas, milhares, de páginas repetindo suas ideias desde antes de existir a primeira página de esquerda. Ademais, ser unido no conservadorismo é fácil, pois conservar só pode ser o que existe. Isso nem é característica da Internet, é coisa velha. A direita está na frente também na quantidade de produção de conteúdos, o que também é coisa anterior à Internet. A produção de conteúdos por parte da esquerda é irrisória. Na verdade, os militantes de esquerda ainda estão adquirindo os equipamentos necessários, e depois terão que adquirir experiência.

A esquerda tem no máximo alguns sites de baixa procura, na maioria das vezes blogs. No caso brasileiro a esquerda se valeu por muito tempo do Resistir, um site da esquerda de Portugal, e agora tem que se contentar com o Sputnik, que nem é propriamente de esquerda, mas uma rede de informações semioficial russa.

A inação da esquerda é completa, enquanto as classes dominantes atuam desesperadamente para retomarem o controle que tinham antes da Internet. Que a direita tenha recursos para atuar a atue, é compreensível. O que é estranha é a atitude da esquerda organizada, que em alguns casos é de pavor da Internet. É revelação de completa incompetência, mas é também uma atitude suspeita dos pontos de vista politico e moral - São direções que se sabem frágeis e tentam manter seus postos por meio da restrição dos debates, com custo caríssimo para todos os trabalhadores.

Mesmo assim, o trabalho que a Internet já fez para os trabalhadores é gigantesco, nem é possível tratar de tudo aqui. Fiquemos em coisas mais básicas – todo mundo tem acesso aos textos marxistas, gratuitamente, na língua que quiser! Até há poucas décadas ter acesso a qualquer desses textos era trabalhoso e caro (eu experimentei). Todo mundo tem acesso aos filmes e documentários de esquerda, que nunca eram transmitidos pela TV. Até muito pouco tempo atrás os marxistas eram exclusividade dos grandes centros urbanos, pois em pequenas cidades os marxistas que porventura existissem, isolados, não conseguiam fazer nada, nem formar novos marxistas. A Internet espalhou o marxismo até pelos arraiais mais distantes e pacatos.

O facebook limita cada vez mais o que cada membro consegue espalhar pelos outros. Todo dia todo mundo entra em um site de e-mails e lê as manchetes mais reacionárias, defendendo, por exemplo, a reforma da previdência. Contudo, as pessoas sabem hoje como nunca souberam antes que os ricos no Brasil não pagam impostos. Se estivéssemos no auge do monopólio da rede Globo, a reforma da previdência já teria sido aprovada e todos ainda pensariam que os ricos pagam muitos impostos.

Em resumo, apesar de completamente dominada pela direita do ponto de vista material, e de ser quase abandonada pela esquerda organizada, pelos Sindicatos etc., a Internet está formando e organizando “espontaneamente” os trabalhadores, uma vez que estimulou a luta de classes. É compreensível o desespero da direita, que agora vê comunistas debaixo de cada cama. Se desorganizadamente o proletariado já está dando trabalho, o que será quando adquirir mais poder sobre a Internet?


Comentários