Ucrânia: A guerra que ninguém quer encerrar


Sun Zi, no Bing Fa (conhecido no “ocidente” como Arte da Guerra) afirma que uma guerra prolongada leva qualquer estado à ruína. Todos os líderes de envergadura, e Putin é um deles, sabem disso. Contudo, nem Rússia, nem EUA, nem China, nem Ucrânia, nem mesmo a Europa ocidental e os países agora chamados de Sul Global parecem realmente desejar o fim dessa guerra.

Comecemos pela Rússia, que tem forças, desde o início, para encerrar o conflito. Mas as atitudes russas indicam outro desejo. A Rússia sequer fechou o espaço aéreo ucraniano. Zelenski pode viajar a vontade e voltar para a Ucrânia sem sofrer nenhum risco. Diga-se de passagem, nenhum ataque russo visou as lideranças ucranianas. A Rússia poderia ter fechado os portos e todas as estradas e ferrovias ucranianas. Poderia ter destruído todas as pontes, e encerrado o tráfico de veículos em toda a Ucrânia, porque domina o espaço aéreo, mas não o fez. A Rússia estava com suas tropas às portas de Kiev, mas as retirou. Em resumo, a Rússia está prolongando a guerra. Quando tropas ucranianas invadiram Kursk, a Rússia mal reagiu, e correu a declarar que enquanto tropas ucranianas estiverem por lá, não há chances de negociação.

Por que? Há possibilidades diversas. Uma é que a guerra está fortalecendo o governo russo, e permitindo reprimir todos os russos pró-“ocidentais”. Outra é que a guerra está permitindo libertar a Rússia da perniciosa influência “ocidental”. A Rússia está promovendo uma série de reformas econômicas, estatistas, e voltadas para a China, e a guerra blinda essa estratégia. Por fim, a Rússia está matando aos milhares seus piores inimigos, pois tudo que é antirrusso está sendo enviado como mercenário para morrer na Ucrânia. Milhares de simpatizantes do nazismo já foram mortos na Ucrânia. Com domínio do espaço aéreo e superioridade de artilharia, os russos estão liquidando leva por leva de tropas pró-OTAN. Se iniciar-se uma guerra total agora, a OTAN estará sem seus melhores combatentes.

OS EUA, que também podem encerrar a guerra simplesmente parando de enviar armas para a Ucrânia, estão ganhando rios de dinheiro. Não só vendem armas para Ucrânia, mas para suas colônias européias, que foram convencidas do perigo russo, ou fingem que foram. A esperança dos EUA é envolver a China no conflito, o que justificaria uma política de protecionismo total contra a mesma. Por fim, para os EUA a guerra, que arruína a economia européia, torna a Europa mais submissa, mais dependente.

A China, que prega a paz, foi quem mais ganhou com a guerra. Ganhou a Rússia! Pode não ser um domínio abusivo, explorador, mas é o que a China precisa – um aliado militar poderosíssimo, que agora depende da China, e portanto precisará defender a China como se defendesse Moscou. A China prega a paz por responsabilidade, mas não tem interesse econômico nenhum na mesma.

O Sul Global, onde vários países pedem a paz, também se beneficiou, ou poderia. Os países que querem estão se beneficiando. Não há nada melhor para o Sul Global do que a divisão entre as potências. Vários países estão ganhando o que querem de Rússia, China e EUA. Em conflito, as potências precisam de alianças no sul. Só mesmo governantes traidores e incompetentes não estão ganhando nada com essa guerra. Essa guerra iniciou uma nova fase nas relações internacionais, e isso não tem volta.

Por fim, os maiores perdedores também não estão dando sinais de realmente desejarem o fim. A Ucrânia perdeu a parte mais rica do país, perdeu milhões de habitantes (emigrados), e se continuar existindo será um azar para os que continuarem ucranianos, porque terão uma dívida impagável com os EUA e suas colônias. A maioria do povo ucraniano já deve desejar a paz, mas os dirigentes, simpatizantes dos nazistas, que em 2014 deram um golpe contra o presidente eleito, certamente não aceitam nem pensar nisso. São fanaticamente antirrussos, com uma visão de nacionalismo deturpada, e pelo visto preferem morrer.

A Europa Ocidental está em crise econômica, perdeu as fontes baratas de energia russa, está perdendo combatentes aos montes e, sem dinheiro, comprando armas para repor os estoques esvaziados pelas doações à Ucrânia. Os líderes europeus traíram seus povos, e estão servindo aos EUA. Para eles a derrota seria política e ideológica. É a prova de que estão superados, de que o modo de vida ocidental, liberal, não é eficiente, e de que a “proteção” dos EUA é uma ilusão. Quando estimularam os golpistas da direita ucraniana, esperavam destruir a Rússia. Estavam mal informados, mas agora estão presos às suas próprias mentiras.

Tirando os perdedores, que são a Ucrânia e a Europa ocidental, ninguém tem interesses econômicos no fim dessa guerra. Se existem vozes contra a guerra, se elevam por pura noção de responsabilidade. São pessoas que querem evitar uma terceira guerra mundial, termonuclear, cada dia mais próxima.

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