Os funerais de Marielle e a união das "esquerdas"


Slide 1 de 5: Ato contra assassinato da vereadora Marielle Franco na Cinelândia
Em todo o país realizaram-se atos públicos em homenagem à vereadora Marielle (PSOL-RJ), executada dia 14 de Março de 2018, e muitos outros estão marcados. Toda “a” “esquerda” está comparecendo, dos setores mais extremistas aos mais moderados, e um assunto se impôs tão espontaneamente quanto foram os próprios atos de protesto – a união das esquerdas!

O debate sobre o conceito de esquerda, sobre o que é “esquerda”, e o debate sobre a desunião da “esquerda” se confundem! O conceito surgiu durante a Revolução Francesa. Os governistas, monarquistas, defensores dos poderes da Coroa, assentavam-se à direita do presidente do parlamento, e defensores da República, da redução ou extinção dos poderes da Coroa, de maior participação pública no governo, assentavam-se à esquerda. Com a Revolução Soviética esses conceitos ganharam um novo significado, sem contudo perder completamente o sentido original. A direita passou a ser o lado que defende o capitalismo, e a esquerda o lado que defende o socialismo. Com a queda da União Soviética, esses conceitos estão sofrendo sua maior crise, porque vários significados se agregaram aos conceitos de “esquerda” (e daí automaticamente ao de “direita” em reação), como a defensa de reivindicações de grupos específicos, negros, mulheres, homossexuais etc., enquanto setores que se consideram de esquerda abandonaram a perspectiva socialista. Chegou a acontecer até a inversão completa, em que a “direita” propõe reformas e a “esquerda” resiste a elas sob a alegação de que são retrocessos, o que em alguns casos é verdade, em outros, não. Na prática essa confusão conceitual tem seu correlato prático na desunião da esquerda.

É claro que antes de existirem esses termos, “direita” e “esquerda”, a divisão política entre esses dois lados já existia! Em todo canto se encontram forças conservadoras da ordem política e ou social, e forças que querem transformações na ordem política e ou social. Por mais que passem por crises, que se confundam, e mesmo que percam esses nomes, a direita e a esquerda não podem deixar de existir! Não são organizações, não existem porque planejaram existir, são só uma das muitas formas como logicamente se pode dividir uma sociedade.

A “esquerda” brasileira está desunida em um momento em que a “direita” está reagindo desesperadamente às mudanças da era da internet. A chamada “onda conservadora” é só uma reação! As mulheres e negros se empoderaram; os gays saíram dos armários; a casta política e a judiciária estão completamente desmoralizadas, assim como as PMs do Rio e de São Paulo, a “guerra” às drogas etc. Se nada disso nos tira do capitalismo, nem por isso deixa de desesperar os conservadores. Os conservadores não conseguirão reverter nada disso! Os gays não voltarão aos armários, nem as mulheres ao silêncio. Os negros vão continuar retomando espaço na sociedade. O regime político de 1988 está moribundo. A “guerra” às drogas fracassou no mundo todo e nos EUA mesmo metade dos estados já liberou a maconha. O desespero da “direita” então aumenta, e em sua conhecida “inteligência” surge a “brilhante” ideia de reverter o quadro usando violência. A execução de Marielle acabou de desmoralizar a PM do Rio de Janeiro. A “direita” nunca conseguiu impedir o progresso, mas em suas tentativas estúpidas destrói muitas vidas!

Nesse momento a “esquerda” precisa se unir. Parece impossível! Mas os funerais de Marielle têm tido esse efeito! Vários funerais já foram momentos de viradas históricas. No Brasil mesmo, quando Líbero Badaró foi assassinado, funerais foram realizados para ele em todo o país, que se tornaram atos políticos, que abalaram profundamente o Primeiro Reinado. Um mártir, enterrado, às vezes se torna uma semente, da qual brota uma árvore frondosa.

Não é segredo como remediar a desunião da esquerda, é só relembrar o que aprendemos no Jardim de Infância – tolerância com opiniões divergentes dentro da própria esquerda (o que inclui escutá-las); a prática do debate, e da aceitação das críticas; aceitação (não rachar ou embirrar) quando se for “vencido” no debate; aprendermos a debatermos sem ataques pessoais... De fato parece que estamos ensinando crianças de Jardim de Infância! Mas é como crianças que temos nos comportado! É muita infantilidade não aceitar que os trotsquistas continuarão trotsquistas, e os stalinistas continuarão stalinistas, assim como os socialdemocratas continuarão socialdemocratas; alguns grupos continuarão priorizando o movimento operário, outros o movimento negro, outros os movimentos de mulheres etc. Sempre haverá uma esquerda mais eleitoreira e uma esquerda mais conspirativa. Os candidatos que temos são e continuarão diferentes. Alguns de nós somos brancos, outros somos negros, algumas somos mulheres, outros somos homens. Temos que tolerar nossas diferenças! Podemos, e devemos, nos criticar, mas precisamos nos educar para não nos sensibilizarmos com isso. Hoje, como crianças, alguns militantes ficam seriamente ofendidos quando a linha sagrada de suas seitas é atacada. Ficam “de mal”. Os verdadeiros debates tornaram-se raros, como provável resultado de insegurança política.

Em outras palavras – todos os que se consideram de esquerda precisam escolher: Ou continuam com a “cultura” atual de imposição das próprias linhas políticas, de calar as vozes divergentes (por exemplo com a desculpa de que aquele não é seu "lugar de fala"), de reagir histericamente a cada crítica que se faz à linha da própria organização, ou trabalham para a construção da unidade. A proposta não é que se abra mão da própria linha política, mas que ela seja apresentada ao debate público, como as ciências, e não como as religiões; como adultos, não como crianças. Que a morte de Marielle não tenha sido em vão.

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