Outra vitória pode ser registrada. A esquerda começou a recuperar os símbolos nacionais. A bandeira do Brasil tremulou nas centenas de cidades que fizeram manifestações no dia 21 de setembro. Foi uma resposta à exibição de uma bandeira dos EUA gigante por parte da direita brasileira. Em grande parte dos casos, a retomada dos símbolos nacionais não foi planejada pelos dirigentes nacionais ou locais. Assunto que retomaremos ao final.
Os dirigentes tiveram pouco mais trabalho do que marcar a data e divulgar nas redes sociais. A escolha de um domingo normalmente não é feliz. Domingo é dia em que quase só aparecem pessoas já politizadas, militantes. Em algumas cidades o horário foi mais mal escolhido ainda. O que salvou as manifestações foi a indignação popular.
Elogios não são muito úteis. Vamos ao exame crítico da realidade. A esquerda e os movimentos sindical e estudantil estão em um de seus momentos de maior desorganização, falta de lideranças e de bandeiras de toda a sua história no Brasil. Se dependesse somente da organização da esquerda, e de seus próprios meios de comunicação, a população ainda nem saberia da PEC da Impunidade. Esse artigo não é espaço para esse debate, mas sim para essa constatação. Nos momentos de vitória é normal esquecer as fraquezas, o que não é conveniente.
Como de costume, as manifestações foram mal feitas do ponto de vista de seu efeito para fora. Uma manifestação é uma forma de comunicação de massas. É uma parte da população mostrando ao resto da população seu apego a determinadas ideias, projetos, valores ou seja lá do que se tratar. Mas para os organizadores das manifestações que a esquerda faz no Brasil parece que são comícios em que o público alvo são só os manifestantes. Ou seja, são planejadas para dentro, e mesmo assim mal planejadas, uma vez que também internamente a comunicação é ruim. Por exemplo, os batuques não deixam ninguém ouvir os discursos.
O que mais aparece em nossas manifestações são slogans velhos, ou óbvios, e siglas desconhecidas em bandeiras quase iguais. Ou seja, quem passa e vê não obtêm informação nenhuma. Se a palavra de ordem é velha, quem passa já viu. Se é óbvia, todo mundo já sabe. As siglas, para as pessoas, são só letrinhas, cujos símbolos, cores etc. são idênticos. Junta-se a isso algumas piadas bobas, ou que só têm graça para quem já está por dentro da fofoca. Portanto, quem assiste só sabe mais ou menos o tamanho, e se conhece o motivo principal é por outras fontes.
Também é de se lamentar a perda de oportunidades. Primeiro, ninguém está fazendo uma ligação óbvia entre a investigação da PF que descobriu 52 bilhões de reais em 40 fundos de investimentos ligados ao PCC e a PEC da Impunidade. Qualquer defensor da democracia precisa se perguntar – se o crime organizado tem tanto dinheiro e controla tantas empresas, tem quantos deputados e senadores? Se investigações estão em curso, esses políticos não estão com medo? Quem o PCC financiou? De onde veio o desespero que levou a direita a cometer um erro tão grande? As manifestações, naturalmente, deviam ter exigido os nomes. A PF tem que denunciar logo os políticos ligados ao PCC. Certamente será um golpe duro contra a direita brasileira, que pode tirar do jogo dezenas de suas principais lideranças. Se atingir algum de alguma sigla de esquerda, é um livramento. Ademais, é o tipo de denuncia que atinge o capitalismo como um todo. É uma prova de que o poder do dinheiro é o poder do crime organizado, que já não se distingue do capital financeiro. Uma esquerda que não aproveita isso é muito incompetente.
Além disso, a conjuntura, com as tentativas de interferência e o tarifaço imposto pelos EUA, e o apoio da direita brasileira a Trump, permitia levantar temas de interesse nacional, como retomar o controle da base de Alcântara e derrubar patentes. Levantar bandeiras nacionais reforça o desmascaramento da direita brasileira, que tentou se passar por patriota, mas não defende nunca os interesses nacionais. A direita brasileira é o velho Partido Português, que depois lambeu as botas da Inglaterra, e agora é cadela dos EUA. Herdou dos senhores de escravos o fanatismo liberal, e não é possível, na América Latina, ser ao mesmo tempo patriota e liberal em economia, porque abrir a economia e privatizar é a mesma coisa que entregar o país ao capital estrangeiro. Nossa soberania, palavra agora pela primeira vez na boca dos petistas, exige Estado forte na economia, o que é contra a fé burra dos descendentes de senhores de escravos. É assim, escravocratas liberais, quase no mundo todo, porque as regiões escravistas no século XIX eram quase todas agroexportadoras, o que leva as elites ao livre cambismo, que defendem divulgando crenças liberais.
Infelizmente, como a ideologia das classes dominantes se espraia por toda a sociedade (ou essas classes não seriam dominantes), a esquerda brasileira também é bastante liberal e valoriza pouco as causas nacionais e despreza seus símbolos. Acrescente-se a péssima influência que nesse sentido exerceram o trotskismo e o eurocentrismo. Os trotskistas têm uma visão utópica de internacionalismo, que é uma negação das nações. Em parte é por obra das várias correntes trotskistas que o PT nunca levantou as bandeiras nacionais, e no governo mesmo negligenciou e até traiu algumas vezes essas causas. O eurocentrismo, por sua vez, gerou uma imitação das críticas ao nacionalismo que têm sentido na Europa, mas não na América Latina, que ainda luta por sua completa independência. A Europa tem nacionalismo demais, mas a América Latina tem nacionalismo de menos. O apatriotismo é até mesmo corruptor. Se a pátria não vale nada, porque respeitar a coisa pública? Sem fidelidade à pátria, porque não fazer como nossas elites fazem e roubar recursos públicos para enriquecer a família e amigos? No atual momento da história humana, a defesa do bem comum exige uma noção de pátria.
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