As pesquisas indicam que 70% do povo brasileiro queria mudanças, e Junho não demonstrou outra coisa. Aliás, desde Junho os choques entre a população e as forças do Estado se multiplicaram, explodindo toda vez que o abuso da força policial ultrapassa a paciência popular. Contudo, nem mesmo da polarização PT-PSDB, que já dura 20 anos, os brasileiros se livraram. O Congresso Nacional, por sua vez, vem ainda mais conservador em 2015, contrariando por completo a vontade do povo. A velha conclusão de que o povo não sabe votar não passa de enganação, pois não existe saber pilotar um carro estragado. Não é o povo, são as eleições que fracassaram. Fracassaram devido ao que são, e devido à avançada degeneração de nossa sociedade.
Naturalmente,
nenhuma eleição desse nosso regime político e de similares (as “democracias
ocidentais”) resulta na vontade de fato do povo. Esse regime não é uma
democracia no estrito senso de “poder do povão”, “poder dos eleitores”, “poder
de muitos” ou seja lá como se preferir traduzir o termo “demos”. Todos sabemos
disso em teoria, ao menos todos os que estudamos. Contudo, o regime só funciona
enquanto o povo acha que participa, que manda, e assume a culpa por ter eleito
bandidos. Ou seja, os intelectuais sabem que a democracia que temos é uma
farsa, mas a massa do povo não sabe. A função desse regime é legitimar o poder
dos capitalistas, que assim destroem o mundo jogando a culpa no povo. Quando
falamos de fracasso das eleições, portanto, não nos referimos ao fato de serem
eleitos carrascos do povo e de o povo não mandar em nada, pois isso é normal
nesse regime, é o método do roubo, não um defeito.
Porém, as
eleições fracassaram exatamente em enganar o povo, pois ficou claro que não
servem para mudança nenhuma. Os candidatos disputando o segundo turno não
servem para gerar a sensação de mudança de que o regime precisava. Na medida em
que o povo fica decepcionado, cresce a percepção de que o regime é autoritário,
e que as eleições diretas são sua capa. A enganação funcionou mal, portanto, no
seu objetivo principal, as eleições fracassaram. Os “analistas” que relacionam
Junho às eleições e chegam à “genial” conclusão de que Junho saiu pela culatra,
além de já terem se esquecido (se é que um dia entenderam) o que foi Junho,
“esquecem” de mencionar que dos 140 milhões de eleitores, sendo o voto
obrigatório, 40 milhões ou votaram nulo, ou branco, ou nem sequer foram votar.
Cerca de 2 milhões votaram em candidatos nanicos, ou seja, uma outra forma de
nulo, de repúdio ao regime político.
Junho foi
anti eleitoral, e para combater Junho muita gente apostou nas eleições de 2014.
As mudanças não viriam das ruas, mas das urnas! A experiência de 30 anos do
povo estaria errada, e as urnas, uma primeira vez na história humana, salvariam
uma nação... As eleições foram o que sempre foram. Enquanto jogo político muito
importantes, mas em seus resultados propriamente eleitorais a legitimação do
poder econômico, e enquanto salvação de alguma coisa, pura piada. Em relação ao
sentimento de mudança do povo, um fracasso. O resultado desse fracasso se verá
nas ruas. Se nas urnas não se consegue mudar nada, o eleitorado voltará às
ruas, dessa vez mais nervoso e decidido que em 2013, embora ainda sem programa.
Nem Dilma, nem Aécio (nem Marina), têm condições de impedir isso, completamente
atrelados que estão a interesses sujos e crenças velhas.
Claramente,
o capital tem dado muito apoio a Dilma, e a fará vencer, atropelando seus
próprios partidários (sim, o capital atropela os capitalistas com freqüência),
pois as decisões da maioria das grandes coorporações não são tomadas por bobos
que acreditam no conto de fadas de Adam Smith, mas por pessoas realistas, que
sabem que o PT contém o movimento socialista adormecido no Brasil, enfraquecendo
os grupos mais à esquerda, e ainda divide os movimentos sociais. O caso do MST,
movimento social mais midiático e mais odiado pela direita, é claro. O MST está
parado, comprado pelo governo, mas não se venderia a qualquer governo, só ao do
PT. Note-se que interessante, e quanto lembra o 18 Brumário – os capitalistas
em massa, somando seus vários setores, estão com Aécio, irrefletidamente, por
simples sentimento e crenças de classe, mas uma certa parte dos capitalistas, a
parte mais rica, mais poderosa, mais atrasada, assim como seus políticos mais
tradicionais, está com Dilma, pois tem governado com ela, ganha dinheiro ao
lado dela e do Barba como nunca se ganhou, conteve Junho ao lado dela, e tem
medo de ter que enfrentar outros junhos sem um governo que consiga dividir os
trabalhadores. Em outras palavras, a percepção dos capitalistas em geral de que
o Estado é uma máfia que lhes arranca dinheiro, para a maioria dos capitalistas
é também verdade, pois só uma minoria entre os capitalistas lucra com o Estado,
e é a mesma minoria já presente no 18 Brumário, agiotas e bandidos, o lupen da
burguesia. Portanto, o PSDB é para a burguesia o que o PT é para os
trabalhadores, um lupesinato que se especializou em ganhar votos com base nas
esperanças desesperadas (sim, é isso mesmo, por estranho que pareça) dos
pequeno-burgueses, burgueses médios, burgueses grandes mas não tanto, em
resumo, os 90% da burguesia que são lesados, feitos de trouxas como os
trabalhadores são feitos pelo PT.
Por um
tempo, o capital ficou um tanto quanto enfraquecido, enquanto as TVs abertas
perdiam espaço e a internet ganhava. Em Junho de 2013, por exemplo, não se via
nas mãos dos manifestantes bandeiras que fossem de origem nas pautas das TVs e
grandes jornais. A Internet pautou as manifestações! Na época a rede de
destaque era o Facebook, e pode-se dizer que só se via cartazes oriundos
diretamente dessa rede, portanto, dos internautas. Agora, o capital está
retomando espaço. Primeiro, conseguiu limitar o Facebook, fazendo com que as
postagens não sejam vistas por muita gente, reduzindo-as, na verdade, a menos
do que se pode fazer com panfletos. Em segundo, descobriram os provedores
gratuitos de e-mail como potência da internet. Vários sites que oferecem
e-mails gratuitos têm um verdadeiro jornal na página inicial, de forma que
todos os donos de e-mails, praticamente todos os dias, são submetidos às
manchetes dessas páginas. A esquerda brasileira, com a imprevidência e
desorganização de sempre, não oferece e-mails a seus correligionários e
simpatizantes.
Esse poder
de fogo que os capitalistas retomaram serviu para bombardear Marina. Ela não
seria muito diferente dos seus contendores, mas reduziria o PSDB a uma sigla de
menor importância, colocaria fim à carreira do protegido das elites e poderia
derrotar o PT, iniciando uma fase de redefinições políticas. Em outras
palavras, não era ela pelo governo que faria (tão capitalista quanto os outros
dois), mas pelos resultados eleitorais em si. Ela daria ao povo a sensação de
mudança que daria sobrevida ao regime. Porém, eleições são dinheiro, máquina e
imprensa! Nem os capitalistas pragmáticos aliados ao PT, nem os capitalistas
ideológicos encastelados no PSDB quiseram correr o risco. Quem mais recebeu
doações foi Dilma, o segundo foi Aécio e Marina em terceiro, e assim ficou o
resultado final. Longe de mim dizer que Marina não cometeu erros graves.
Cometeu, sim, e caiu também por isso. Marina e seus apoiadores parecem ser
daqueles que querem esquecer que as classes existem, ou aniquilá-las pela força
do pensamento e da negação. Ela esqueceu que existe um proletariado e que é a
maioria da nação. Além de cometer erros infantis, como respeitar a ordem de um
pastor, seja ele qual for, mostrando que seria uma governante influenciável;
Posar de serviçal dos EUA, papagaiando velhas mentiras sobre nossos aliados da
América Latina e dos BRICS em um país cujas pesquisas indicam mais hostilidade
aos EUA que nos países árabes; Falar de autonomia do Banco Central... Em
resumo, ela disputou um eleitorado que já estava dividido e amarrado, de
direita, e empurrou para longe o amplo e plural eleitorado de esquerda.
Parece que
os amadores que dirigiram Marina acreditaram no eufemismo “classe média” e na
charlatanice “nova classe média”. Não existe isso, “classe média”, que não
passa de um eufemismo, ou seja, para não se chamar as pessoas de pobres se diz
que são de classe média, assim como os ricos se dizem de classe média. Todo
mundo é classe média, então ninguém é, isso não é um conceito sério. Portanto,
“nova classe média” é uma charlatanice que estava sendo usada pelos tucanos
para justificar a vitória fácil que parecia que o PT estava tendo. Segundo eles
essa “nova classe média”, que por algum motivo decidiria a eleição, seria
oriunda dos programas do governo, portanto os votos petistas seriam
praticamente comprados. Os petistas só inverteram a invenção, e a usaram para
afirmar que tinham retirado milhões da miséria, praticamente criando uma nova
classe social. No mundo real as pesquisas mostram que a maior concentração de
votos tucanos é entre os mais ricos e a concentração de votos petistas é no
proletariado lato senso.
O
proletariado brasileiro é mais numeroso hoje do que em qualquer período
anterior. Só os trabalhadores formais são 50 milhões, de forma que podemos
falar de no mínimo 80 milhões de proletários. No mínimo 15 milhões entres esses
80 são operários. Esse proletariado tem adeptos de todas as correntes políticas
que existem, mas tem sido vagarosamente politizado, mais pela experiência do
que por ajuda das esquerdas. Hoje pode-se afirmar que sentimentalmente o
proletariado é majoritariamente de esquerda. Sentimentalmente em oposição a
racionalmente. Por ser de esquerda o proletariado compreende um vago
socialismo, muito mais parecido com o cristianismo que com o marxismo, mas
também aberto a diversas outras tendências, como o blanquismo, o prodhounismo e
não faltam nem os inventores de Falanstérios. A campanha petista compreendeu a
força do proletariado e se voltou para ele como último remédio, e a campanha
tucana também parece ter entendido isso. Por exemplo, uma proposta apresentada
por Aécio é uma velha proposta de esquerda, engavetada pelo PT, de criar uma
carreira nacional para os médicos, que resolveria definitivamente o problema
dos municípios sem médicos, sem necessidade da ajuda estrangeira.
O segundo
turno, seja qual for o resultado, não diminuirá o fracasso das eleições. Esse
fiasco acontece nas vésperas de sérios problemas econômicos e daí sociais,
agravados por problemas ambientais. Óbvio que nenhum dos três candidatos do
regime teria condições de lidar com esses problemas, pois estão presos às
crenças econômicas liberais, além de serem figuras sem envergadura para
reformar o Estado. Se fossemos usar as palavras do tempo de Maquiavel diríamos
que nenhum dos três tem a necessária virtú
para tentar a Fortuna.
Já vivemos
em meio a uma crise de autoridade que atinge todo o tecido social, desde as
famílias, as salas de aula, até os quartéis. A participação política é
crescente, como resposta aos problemas. Ou seja, chegou-se ao ponto em que as
pessoas que normalmente não fazem política estão pensando em fazer porque os
que fazem não conseguem resolver nada. Com a sociedade já assim, com sintomas
de convulsão social, aproxima-se mais uma crise econômica mundial. A OPEP já
reduziu para 2015 a previsão de produção de petróleo, o preço do aço já está
caindo e a China anunciou que comprará e produzirá menos em 2015. Para o Brasil
o fator China é mais pesado que para o resto do mundo. Um terço de nosso
comércio exterior hoje é com a China. Um pouco que a China deixe de comprar
terá forte impacto sobre nossa economia. Tem sido Beijing, e não Brasília, que
tem livrado o Brasil da crise nos últimos anos.
Paralelamente
aos fatores externos de crise econômica, temos grandes problemas internos. Nos
falta, em geral, infraestrutura, pois a casta de políticos, por seus vínculos
com empreiteiras, aferrou-se às crenças liberais, e portanto há décadas quase
não se cria uma estrada, uma ferrovia, um porto, uma usina elétrica, nada! O
problema de energia está se agravando pela falta de água na região sudeste,
onde se produz o grosso da energia do país, na bacia do rio Grande. Essa região
vive a maior seca de sua história conhecida, sendo que a época de chuvas de 2013
para 2014 praticamente foi seca. O país não pode crescer mais nada, pois não
tem infraestrutura para tanto, e pode mesmo ter que diminuir a produção por
falta de energia elétrica. Os crentes em Adam Smith não se dão por vencidos,
talvez porque seja mais difícil conseguir os 10% de outra maneira, e não
reconhecem que esse país só cresceu com a intervenção direta do Estado criando
grandes empresas estatais. A tentativa de PT-PSDB nos últimos 20 anos tem sido
tocar as obras públicas em parceria com o setor privado, ou seja, por meio de
empreiteiras. Fracasso garantido! Certeza de materiais de péssima qualidade,
mão-de-obra de menos, desperdícios, adiamentos etc. e lógico, muita corrupção.
Ademais, encarece-se tudo, sejam os transportes, seja a energia. A “proposta”
tucana é piorar isso um pouco mais, aumentando os lucros, ou seja, aumentando
os preços de tudo. É por isso que só as estatais têm tido sucesso em
impulsionar o crescimento brasileiro – porque podem ter prejuízo, de forma que
podem, por exemplo, multiplicar a produção de energia, como já fizeram por duas
vezes no século XX, e mesmo assim fornecer energia a um preço razoável. Porém,
a dupla PT-PSDB é de tal incapacidade para resolver os problemas da nação que
faz as estatais darem lucros e distribuí-los a acionistas, ou seja, as tornam
inúteis, as tornam particulares na prática.
Com o
desenho atual de Estado, tudo indica que as coisas só vão piorar. A
incapacidade desse Estado se reformar é total, e o novo Congresso Nacional
parece mais incapaz ainda de qualquer reforma que agrade ao povo. A direita tem
uma proposta muito clara, e velha, a ditadura. O problema é que a esquerda não
tem proposta nenhuma de Estado. A parte falsa, o bloco petista, defende esse
desenho mesmo de poder, ou seja, o poder dos ladrões. A parte socialista
defende um vago “poder popular”, com diferentes nomes, mas sempre vagamente.
Não teria problema a proposta ser vaga se fosse acompanhada de exemplos, mas na
verdade toda a esquerda brasileira tem sido aparelhista, ou seja, nos Sindicatos
e nas entidades estudantis, usa esse mesmo desenho de poder, o mesmo golpismo
eleitoral, para dominar, se encastelar, por vezes roubar. Ninguém tem moral
para falar de poder popular enquanto não dá o exemplo nos espaços em que tem
poder para tanto. Enquanto a esquerda socialista não tem coragem de abolir as
eleições diretas e instituir formas de poder mais direto em Sindicatos e
entidades estudantis, como o poder das entidades de base sobre os DCEs, não
será acreditada quando falar de reformar o Estado. Se não reforma nem entidades
estudantis, porque reformaria o Estado?
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