Vivemos a grande crise de nosso tempo. Crise, em sua origem, significava um
tempo de transformações, não simplesmente um tempo tumultuado. Um tempo de
crise é um tempo de mudanças.
Ainda é muito cedo para conhecer bem os impactos dessa
crise, mas é possível fazer apontamentos no sentido de iniciar o debate.
Estranha anormalidade - Grande parte da população do planeta
está em quarentena ao mesmo tempo.
Caso nunca visto, o planeta todo está combatendo um mesmo
inimigo ao mesmo tempo, embora isso não tenha gerado unidade. Reduziu os combates armados. As pandemias anteriores se espalharam com lentidão, cidade por cidade, país por país, e os meios de comunicação eram muito mais fracos.
Os sistemas de saúde do mundo todo foram ou serão colocados à
prova, e os sistemas de saúde (incluindo a parte privada) fazem parte não só
dos regimes políticos, mas mesmo do modo de produção de um país.
Antes mesmo de se iniciarem as quarentenas fora da China, espalhou-se
a notícia. Dessa forma a economia foi golpeada muito antes de se espalhar a
COVID 19. Quando a notícia de uma doença muito contagiosa e mortal se espalhou
o Brasil já estava em crise econômica, com grande queda do valor de câmbio do
Real. O fato do epicentro ter sido a China atingiu fortemente os mercados – se a
China produz e vende menos, consome menos, todo o mundo vende menos, e consome
menos. Hoje em dia se a China fica doente, o mundo sente dor. A maioria dos países
do mundo ainda não tinha um só caso registrado, mas já começaram a sofrer. O
principal mercado dos produtos brasileiros é exatamente a China.
A chegada do coronavírus, em cada país, gerou uma queda
brusca em diversos setores da economia – Educação; Esportes; Cultura; Turismo;
Transportes; Diversões em geral; Petróleo; agora a venda de todos os produtos
que não são de alimentação e remédios. Os ambulantes, os subempregados dos
setores atingidos, os pequenos comerciantes etc. estão sem renda.
As crises econômicas sempre atingem a popularidade dos
governos. Existe uma razoável parcela da população que avalia os governos pura
e simplesmente por sua experiência pessoal, se está bem, acha o governo bom, se
está mal desaprova o governo, desconhecendo projetos, ideologias etc. Não se
sabe se são a maioria, mas são tantos que acabam sendo o pendão da balança. Todos
os governos do mundo serão abalados! Os mais fracos sucumbirão. Com alguns
governos podem cair também seus regimes políticos.
Provavelmente também haverá consequências culturais, que são
as mais difíceis de prever nesse momento. As ideias são resistentes, suas
transformações são mais complexas, às vezes lentas, posteriores. Variadas questões
estão na mesa.
Do ponto de vista das ideias geopolíticas, o sucesso chinês
e o fracasso de alguns países europeus fará o mundo todo refletir, reavaliar,
reclassificar. A posição dos EUA também está em jogo – terá melhores ou piores
resultados que as potências adversárias?
Do ponto de vista das ideias econômicas, o liberalismo recuou
em toda linha. Do dia para a noite os comentaristas econômicos e os ministros,
chefes de governo e de estado mudaram o liberalismo mais crente para o
keynesianismo. É uma confissão de que o milagroso mercado não serve para
enfrentar crises. É munição para marxistas e keynesianos usaram por muitos
anos.
O que acontecerá com as religiões? Os cultos que dizem curar
doenças não podem acontecer por causa de uma doença? O uso da internet está
maior. Refluirá por completo? Cresceram as vendas de livros online. Essas
vendas voltarão ao “normal” ou o hábito de ler ganhará algumas pessoas? As
pessoas esquecerão os hábitos de higiene adquiridos?
Ou seja, dos assuntos mais importantes aos mais bobos, a
crise atual também será cultural.
Comentários
O sistema de saúde dos EUA está dando sinais claros de fracasso no combate à pandemia. O sistema de saúde chinês provou-se extremamente eficiente. O SUS também será testado!
A crise de superprodução que já existia se agravou de forma dramática - as montadoras, por exemplo, resolveram simplesmente parar a produção, porque sabem que por alguns meses pouquíssimo vão vender. O mercado consumidor se reduziu e ainda se reduzirá mais, enquanto a quantidade de maquinário e infraestrutura, a capacidade de produzir, o acesso às matérias primas se mantêm quase na mesma. O capital fictício, por outro lado, já foi duramente reduzido, e será ainda mais.
A popularidade dos governos brasileiros já caiu, e não foi só do presidente, embora ele seja o mais enfraquecido. O fato de governos completamente liberais serem obrigados a adotar uma série de medidas keynesianas, mesmo no caso das fracas medidas adotadas no Brasil, revela a dimensão da crise política.
A crise vai demorar a passar, e quando os governos quiserem retirar o que estão concedendo a título provisório, enfrentarão resistência, mais em alguns países que em outros. Simples - se o governo pode oferecer juros baixos e renda básica, e se isso melhora a economia, então por que não fazer isso o tempo todo?
A emenda constitucional que limitava os gastos sociais está sendo atropelada. O ministro pretende legalizar o atropelamento com uma lei de flexibilização, mas isso só desmoralizará mais um pouco as emendas constitucionais. Era óbvio que essa lei era daquelas que não pegam. Legislaram o impossível, os liberais.
Do ponto de vista cultural cresceram os debates sobre política econômica. Dos artigos desse blog e do São João del Pueblo, os que menos atraem atenção são sobre economia, que muitas vezes são os mais importantes. A crise está mudando isso. Agora todo mundo está debatendo economia, por perceber a necessidade. Os liberais apresentaram a ideia estúpida de que não se deve parar a economia, e os marxistas e keynesianos explicaram para eles, mais uma vez, o papel do estado na economia.
O choque entre ciência e religião se reacendeu. A atitude anticientífica dos fanáticos religiosos, nesse momento, afetou o conjunto da sociedade, incomodando a população bem informada. A ampla divulgação de conselhos e normas baseados na ciência, incluindo fechar os cultos, portanto escancarando que eles não curam nada e ainda podem adoecer, incomodou os fanáticos. O debate subiu de tom.
O comércio online, naturalmente, cresceu, mas a venda de livros já mais que duplicou.