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Manifestação em São João del-Rei, interior de Minas Gerais |
1 – As manifestações começaram pequenas ou de tamanho
normal, como todo ano, contra os aumentos das passagens de ônibus. O que as fez
explodir como manifestações gigantescas e se espalharem pelo país todo foi a
repressão policial. Não é caso único,
nem no mundo, nem na história do Brasil. Temos o caso atual da Turquia, e o
caso histórico brasileiro da Revolta do Vintém como exemplos similares.
Obviamente, uma revolta contra a repressão policial é uma revolta contra os
governantes que mandam nas tropas, e quando é contra diversos governantes, de
variados partidos políticas, a revolta começa a ser contra o regime político.
2 – Quando um povo está nas ruas contra seus governantes, e
a maioria da população apóia as manifestações, há algo errado no sistema político.
Obviamente, esse regime não está representando a população. De fato, nosso sistema
político não é nem democrático, nem eficiente. O poder não é do povo, mas do
dinheiro e dos bandidos. Nada funciona bem. Nenhum problema é resolvido. Antes
da chegada do PT ao governo, o regime podia manter sua ilusão, pois havia a
esperança de que a eleição do PT desemperrasse a máquina pública, mas depois de
dez anos de governo petista essa ilusão desapareceu. A crise do petismo e a
crise do regime político de 1988 tornaram-se uma coisa só.
3 – Embora o motivo inicial seja pífio, centavos nas passagens
de ônibus, e as motivações atuais expressas nos cartazes dos manifestantes
sejam muito variadas e inconclusivas, a politização desse movimento é bem
superior à dos anteriores.
3.a – Em relação às Diretas Já, pode-se dizer que é um
ajuste de contas com as ilusões que estavam presentes nesse movimento de
1984-85. Nas Diretas, como o nome indica, forjou-se a ilusão que agora cai, a
ilusão nas eleições diretas - ou seja, nas eleições do dinheiro - como padrão
de democracia. Era um movimento que politizava a população enquanto denuncia da
ditadura, mas que não tinha capacidade de pedir um regime político mais
avançado do que o que os próprios ditadores planejavam.
3.b – O Fora Collor, além de concentrado nesse objetivo,
fortaleceu a ilusão no regime político, uma vez que fez os manifestantes
acreditarem que podiam depor o presidente da República sempre que quisessem.
Não haveria, portanto, porque brigar por uma nova Constituição. Nem havia como,
pois a Constituição de 88 tinha então somente 4 anos.
3.c – Um fator rico do atual movimento, sobretudo enquanto
documento da politização dos participantes, é a proliferação dos cartazes
feitos a mão e levados pelos próprios autores às passeatas. Há uma minoria de
cartazes direitosos, reacionários. Alguns cartazes revelam a costumeira
despolitização, ou inocência, incluindo entre estes os poucos que falam de
passagens de ônibus. Mas uma significativa maioria revela anseios
revolucionários, ou no mínimo profunda indignação com a política brasileira. Os
movimentos mais antigos não tinham essa dinâmica, só se viam faixas feitas por
entidades ou partidos.
3.d – Ao contrário do que a maioria das pessoas mais
politizadas supõem, o sentimento antipartidário que tem sido forte nessas
manifestações é outro sinal de politização. Trata-se de um sentimento
antipartidário generalizado, que se volta mesmo contra partidos que não estão
no governo, ou que ainda nem existem. Portanto é um sentimento contra o regime político,
que é pluripartidário. De fato, a parte que mais se esforça por ser popular no
regime são exatamente os partidos, que precisam pedir votos. Se a parte que
deveria ser popular é odiada, o que dizer do resto do regime?
4 – Há todo um debate sobre a composição do movimento,
social e política, e sobre a atuação das forças de direita e de esquerda nesse
movimento. A maioria dos manifestantes são estudantes, como sempre, e não se
deve tentar encaixar os estudantes nessa ou naquela classe, porque existem
estudantes de todas as classes sociais. A simpatia do proletariado pelo movimento
é óbvia, ao menos em São João del-Rei.
4.a – A direita atua, sim, entre os manifestantes, mas com
pouco sucesso. Os cartazes dos manifestantes indicam a fraqueza da direita
entre eles, e normalmente a direita é o alvo de muitos desses cartazes. A
juventude do PSDB, depois de tentar influenciar o rumo das manifestações,
soltou um documento retirando-se do mesmo, dizendo que o objetivo do mesmo se
reduz a derrubar o governador tucano de São Paulo. Existe entre os manifestantes
uma minoria hilária que está puxando um abaixo-assinado pela deposição da
presidenta da República, mas só está provando que não entendeu nada do espírito
reinante nessas manifestações. Os manifestantes não querem substituir os
governantes por outros políticos, eles querem é o fim de toda essa casta de políticos.
A direita está usando o sentimento generalizado contra os partidos para
combater a influencia da esquerda no movimento, o que não chega a ser novidade.
4.b – A esquerda de verdade, oposicionista, está toda nas
manifestações, exercendo papel fundamental, uma vez que é só quem tem alguma
pouca experiência nesse terreno. Qualquer pessoa minimamente informada sabe que
os partidos de extrema esquerda existem sobretudo para atuar nos movimentos
sociais, que essa é a sua natureza. Grande parte dos dirigentes e militantes
revolucionários não estão ainda compreendendo a dimensão real do movimento
atual, e não compreendem que o sentimento antipartido não é de direita, só está
sendo usado pela direita nesse momento, mas é um sentimento rebelde, uma vez
que o regime capitalista é pluripartidário.
4.c – Não parece ser possível dirigir esse movimento, por
parte nem da direita, nem da esquerda. Trata-se de uma explosão de indignação,
por isso não pode nem precisa ser controlada, mas sim estimulada. Esse
movimento não tem condições de fazer mais do que já está fazendo, a não ser que
seja potencializado crescentemente pela repressão policial. Existem muitos “dirigentes”
e militantes preocupados com a falta de direção do movimento. Significa que
ainda não entenderam nada. Um movimento que começou com uma pauto econômica
velha tornou-se um movimento político de contestação, ou seja, a direção
seguida foi muito boa.
5 – A mídia e os governos tiveram que recuar, mas não se
renderam. A imprensa “brasileira” não parou de tentar criminalizar e
desmoralizar o movimento, só mudou de tática, adotando um tom mais brando,
engolindo sua costumeira arrogância. Os governantes estão diante do seguinte
dilema: Se dão a vitória aos manifestantes no que se refere ao preço da
passagem, ensinarão que a luta leva às vitórias, e não querem ensinar isso. Se
continuam tentando abafar as manifestações, provavelmente as aguçarão, as
tornarão maiores e mais freqüentes, com o perigo de no final terem que recuar
do mesmo jeito, mas depois de um desgaste muito maior. Os resultados dessa
última opção podem ser drásticos, como o cancelamento da Copa no Brasil, uma
vez que os turistas não vão querer vir para um evento em um país onde centenas
de milhares de pessoas manifestam-se contra esse evento.
6 – Esse movimento deve passar à história como um momento de
politização de amplas massas, um primeiro surto de críticas contundentes contra
um regime político fracassado. Não deve, como esperam alguns, virar uma revolução.
Uma revolução política, ou seja, a substituição de um regime político por
outro, não se dá somente porque o regime político que se quer derrubar está
desmoralizado. É necessário ter pelo que substituí-lo, e isso não existe entre
os manifestantes. Mesmo entre os que falam em revolução não há nem sobra de
consenso, ou sequer uma maioria, a respeito do regime político do qual
precisamos para substituir o atual. Os manifestantes, a maioria novatos que
nunca antes saíram às ruas, sentem que o regime político não os representa, mas
racionalizam isso de forma superficial, contra “os políticos”, “os partidos”, “os
governantes” etc., não chegando a compreender completamente que na raiz de
todos os problemas está o regime político. Como nenhum movimento dura para
sempre, e como esse movimento não tem muito para onde seguir, naturalmente,
mesmo que ainda dure semanas ou meses, tende a arrefecer, a não ser que a
consciência política avance muito rápido.
7 – O trabalho revolucionário no momento não é tentar
aparecer nas manifestações, como alguns têm demonstrado que priorizam, pois
isso só teria sentido em busca de votos, enquanto é provável que pelo contrário
essa atitude nos faça perder votos. Temos que nos esforçar por politizar o
movimento, ou seja, fazer a antipatia contra o regime político se transformar
em uma hostilidade consciente contra esse regime. Recrutar faz parte desse trabalho.
Os manifestantes que hoje são sem partido e até hostilizam os partidos, amanhã
estarão buscando onde se filiarem para continuarem a luta política.
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